A história, o exame físico e os exames de imagem são os pilares para o diagnóstico das anomalias vasculares congênitas.
Entre os diversos métodos diagnósticos por imagem, o US-Doppler destaca-se por sua aplicação em pediatria, não sendo necessário utilizar meios de contraste, sedação ou anestesia para sua realização.
Exames de imagem como Ressonância Magnética, Angioressonância, Tomografia computadorizada, Angiotomografia e métodos invasivos como Angiografia arterial ou venosa são recursos diagnósticos muito importantes mas que muitas vezes podem não ser necessários, quando o US-Doppler é suficiente para definir o diagnóstico da lesão.
Por outro lado, o US-Doppler requer equipamento especializado de alta tecnologia para a obtenção de imagens de alta resolução e é um método essencialmente dependente do profissional que o realiza.
Isso significa que é necessário formação profissional especializada e experiência em anomalias vasculares congênitas, área de grande complexidade e de ocorrência rara na prática médica.
O objetivo principal da Ultrassonografia com Doppler é avaliar as características morfológicas e o comportamento hemodinâmico das lesões vasculares, aspectos fundamentais para que o exame possa além de definir o diagnóstico, contribuir no planejamento terapêutico.
A ultrassonografia bidimensional com escala de cinzas (modo B) permite avaliar a textura das partes moles, definindo os planos teciduais (pele, subcutâneo e músculo).
O estudo hemodinâmico se faz com as técnicas do mapeamento colorido (modos Color e Power) e com o modo espectral, que avalia a velocidade e detecta a presença de turbilhonamento no fluxo sanguíneo.
O diagnóstico morfológico pelo US-Doppler se faz analisando a natureza da lesão, estimando seu tamanho e estabelecendo sua relação com as estruturas anatômicas adjacentes.
A simples definição se a lesão é de natureza sólida ou líquida possibilita o diagnóstico diferencial entre os dois principais grupos de anomalias vasculares*: tumores vasculares (conteúdo sólido) e malformações vasculares (conteúdo líquido). *Classificação segundo o ISSVA 2018 (International Society for Studies of Vascular Anomalies)
Tumores vasculares, como por exemplo o Hemangioma proliferativo, tumor mais frequente na infância, são definidos pelo US-Doppler como nódulos sólidos hipervascularizados, sendo possível avaliar as dimensões e os planos atingidos nas partes moles, localizando-se a fáscia muscular.
O diagnóstico diferencial com um tumor não vascular, como por exemplo o Epitelioma Calcificado de Malherbe, pode ser facilmente feito pelo US-Doppler devido o conteúdo cálcico e a ausência de fluxo sanguíneo nesse tumor.
As principais malformações vasculares simples podem ser bem definidas pelo US-Doppler: venosas, linfáticas, arteriovenosas ou fístulas arteriovenosas.
As malformações venosas podem se localizar no plano subcutâneo ou no plano muscular e se apresentam como espaços confluentes com conteúdo líquido, os chamados lagos venosos, que são compressíveis com o transdutor.
Também é possível por meio do US-Doppler, detectar flebólitos em meio aos lagos venosos, pelo conteúdo cálcico ou eventualmente trombos, que muitas vezes se formam nas malformações venosas.
As malformações linfáticas caracterizam-se sonograficamente pela presença de áreas líquidas multisseptadas geralmente localizadas no plano subcutâneo, formando lojas de tamanhos variados (micro ou macrocisticas), que não se deformam pela compressão feita com o transdutor durante o exame.
O US-Doppler, por meio do mapeamento colorido, possibilita o diagnóstico diferencial entre malformação venosa (lagos venosos) e malformação linfática (cistos linfáticos), ambas malformações vasculares de baixo fluxo.
A malformação venosa apresenta fluxo sanguíneo no seu interior (presença de cor) e é compressível com o transdutor, ao passo que a malformação linfática não apresenta fluxo, pois o conteúdo é linfa e a lesão é incompressível com o transdutor.
As malformações vasculares de alto fluxo, malformações arteriovenosas (MAVs) e fistulas arteriovenosas (FAVs) podem ser diagnosticadas por meio do US-Doppler, tanto do ponto vista morfológico quanto hemodinâmico.
O US-Doppler, por meio do mapeamento colorido (Color Doppler e Power Doppler), revela o conglomerado de vasos tortuosos que constitui o chamado “nidus” da MAV, identifica ramos arteriais nutridores da lesão e as veias de drenagem.
Nas regiões das FAVs, o US-Doppler revela fluxo turbilhonado de velocidade aumentada, caracterizado como um mosaico de cores no mapeamento colorido. A alta velocidade é mensurada em um gráfico, chamado modo espectral.
Nas síndromes vasculares complexas como por exemplo a Síndrome de Klippel Trenaunay (SKT), S. de Proteus, S. de Parkes Weber, S. de Cloves entre outras, o US-Doppler tem papel relevante no diagnóstico diferencial e planejamento terapêutico. Nesses pacientes podem coexistir malformações vasculares venosas, linfáticas, arteriovenosas e FAVs.
A SKT caracteriza-se clinicamente pela presença de malformação capilar cutânea e aumento de volume e/ou comprimento do membro e presença de malformação vascular complexa. Podem ser detectadas pelo US-Doppler:
- anomalias venosas (hipoplasia, aneurismas venosos, persistência de veias embrionárias (marginal lateral e/ou ciática), malformações venosas, insuficiencia venosa e trombose 2) anomalias linfáticas (cistos linfáticos no subcutâneo, cistos esplênicos, linfedema 3) malformações arteriais (ramos arteriais anómalos, FAVs).
A metodologia US-Doppler além de ter papel fundamental no diagnóstico das anomalias vasculares, pode ainda auxiliar em procedimentos terapêuticos guiados, como embolização percutânea de agentes esclerosantes e ser utilizado no controle pós-operatório das lesões tratadas por embolização arterial.
É portanto, de extrema importância para o paciente portador de anomalia vascular a avaliação diagnóstica inicial e o seguimento com o Us-Doppler especializado. Outras metodologias deverão ser realizadas apenas com indicação precisa, considerando-se o alto custo e por serem métodos invasivos.
Finalmente, o Us-Doppler pode ser realizado com a criança mamando, no colo dos pais, utilizando-se vários recursos tais como filmes infantis, música, brinquedos ou mesmo com a criança dormindo.
Cuidado, paciência, dedicação e envolvimento dos familiares são quesitos necessários para que, aliado ao nosso conhecimento possamos alcançar nosso maior objetivo, que é o diagnóstico correto das anomalias vasculares.

Dra. Nilce Carvalho
Radiologista e Ultrassonografista vascular
Residência médica em Radiologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP)
Títulos de Especialista em Radiologia Geral e Ultrassonografia Geral, pelo Colégio Brasileiro de Radiologia
Certificado de Habilitação em Ultrassonografia Vascular com Doppler, pelo Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) e Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV)
Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR)
Membro do ISSVA (International Society for Studies of Vascular Anomalies)
Ultrassonografista Vascular do CPAV (Centro Paulista de anomalias Vasculares)